segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Segundo levantamento, 40% dos moradores da Estrutural frequentam as igrejas protestantes

Rodolfo Borges

Há uma igreja evangélica para cada 93 protestantes na Cidade Estrutural. Um levantamento realizado pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) (leia Para saber mais) mostrou que, entre as 15 regiões mais pobres do DF, a Estrutural é a que apresenta o maior percentual de evangélicos. Lá, eles somam 40,2% da população, um percentual bem maior do que os 32,3% do Riacho Fundo II, que aparece em segundo lugar na proporção comparativa (veja Quadro). Atualmente, o Conselho de Pastores da Estrutural conta 150 igrejas na região, que comporta uma população estimada em 35 mil.



A grande quantidade de evangélicos da Estrutural se justifica em parte pelo crescimento das igrejas protestantes no país, mas a história de formação da cidade mostra por que os católicos não predominam tanto por lá. A Estrutural começou a ganhar contornos quando os moradores do Lixão que dá nome à cidade se reuniram para formar uma comunidade, em meados de 1997. Data dessa época a ação de pastores evangélicos na região, que só enfrentariam a competição da Igreja Católica a partir de 2004, quando surgiu a primeira capela. Só três anos depois seria criada a paróquia São José Operário, principal referência para os católicos da região.

Proselitismo
Enquanto não tinham missas para frequentar, os católicos passaram a visitar os cultos evangélicos. E muitos, como o hoje presbítero da Assembleia de Deus Avelar Rodrigues Pimentel, 40 anos, mudaram de lado. “Fui católico até os 17 anos, quando recebi a visita de pastores evangélicos”, conta o gesseiro, que mora na região da Estrutural desde 1993. Foi com visitas como essa, baseadas na missão de reunir a maior quantidade possível de fiéis, que os evangélicos avançaram pela Estrutural. A ausência de uma tradição católica como as de cidades como Planaltina e Paranoá — onde o percentual de evangélicos não passa de 18% — contribuiu para o crescimento da representatividade.

Outro fator utilizado pelos evangélicos para explicar sua abrangência é o foco no trabalho social, que aproxima os pastores e presbíteros da comunidade. “Se não fossem as igrejas evangélicas, a Estrutural estaria como uma favela do Rio de Janeiro. A criminalidade caiu muito por causa delas”, garante Melk Zedek, presidente do Conselho de Pastores da Estrutural e pastor-chefe da Assembleia de Deus Ministério Missão da Estrutural (Ademme). Segundo Zedek, a forma vibrante com que são realizados os louvores nas igrejas evangélicas também atrai os devotos. “Já tem até uma corrente da Igreja Católica que canta músicas como nós”, compara.

Diferenças
As maiores igrejas, como a Sara Nossa Terra, a Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus, têm uma estrutura melhor e reúnem mais fiéis — a Assembleia de Deus Madureira conta com 600 congregados. Mas é difícil encontrar uma rua pela cidade que não tenha pelo menos um templo evangélico, inclusive dentro de residências, com seus 30 seguidores. É o caso da Assembleia de Deus Nova Vida, do pastor e pedreiro Nilson José Santos da Silva, 32 anos, que explica a diferença entre as igrejas: “Muda o nome e a rigidez de cada uma”.

“Tem algumas igrejas que não aceitam que a mulher corte o cabelo ou faça as unhas, que pregam sobre usos e costumes. Mas, na minha, só estou interessado em pregar a libertação”, completa o pastor, que trabalha na construção da Catedral das Assembleias de Deus do Brasil Central, à qual sua instituição é convencionada. Localizado na própria Estrutural, o templo — que, apesar de estar em construção, foi o primeira da região — serve de referência.

É por volta das 20h que os cultos das igrejas espalhadas pela Estrutural começam. Como os fiéis estão diluídos, os templos só ficam lotados em festas mensais, que concentram congregados de diferentes igrejas. “Os cultos semanais servem mais para a oração”, explica Melk Zedek. Como nem toda a Estrutural recebe iluminação pública, a luz dos espaços religiosos — que se destacam entre as melhores construções da cidade — e os gritos de louvor dos pastores, como os próprios diriam, servem de referência para quem estiver perdido.

Variação
De acordo com o presidente do Conselho de Pastores, o número varia anualmente, porque são criadas novas igrejas e outras deixam de existir, principalmente por não conseguir pagar o aluguel da construção onde funcionam. Tão fácil quanto encontrar igrejas funcionando é topar com fachadas desgastadas de templos abandonados.

Hierarquia
As hierarquias das igrejas evangélicas podem variar, mas respeitam basicamente a seguinte ordem: o membro, que é aquele que passou pelo batismo, é promovido a auxiliar e diácono de acordo com seu trabalho na instituição. Para virar presbítero, ele precisa passar por um curso de dois anos, que também o permitirá ser alçado a evangelista e pastor,
nessa ordem.

Organização
Os pastores de cada igreja têm a liberdade de criar estruturas menores que vão se submeter àquelas de que eles faziam parte. Dependendo da forma como cada instituição se desenvolve, ela pode dar origem a vários braços, aumentando sua influência.

Expansão questionada
A impressão de que os evangélicos representam quase metade da Estrutural não é compartilhada por todos. “Há um mito da própria comunidade de que predominam os evangélicos”, considera Valcir Costa Silva, presidente do Conselho Comunitário da Cidade Estrutural. “E existem alguns católicos que não se manifestam como tal por medo de repressão dos evangélicos. Quem não é evangélico por aqui acaba retaliado.”

O padre Samuel Cassiano, da paróquia São José Operário, corrobora a análise de Silva e fala numa “discriminação oculta”. “A maioria dos evangélicos é agressiva. Respeitamos a eles, mas eles precisam nos respeitar”, diz o padre, que costuma ouvir reclamação dos frequentadores da paróquia em relação ao comportamento dos protestantes. “Alguns nem cumprimentam”, reclama. Pastor da igreja Visão Missionária da Última Hora, José Paulo Braga discorda e diz que católicos e evangélicos convivem harmoniosamente na Estrutural.

“Outro dia chamamos o padre da paróquia para um debate sobre o aborto na rádio comunitária da igreja. Nos entendemos muito bem por aqui, mantemos um diálogo aberto”, garante o pastor, cuja rádio, chamada Comunique, transmite um programa diário de conteúdo católico, produzido pela Pastoral da Criança. “Nossa relação com os evangélicos depende dos pastores. Alguns se aproximam. Outros não”, resume o padre Samuel, que espera que os católicos que passaram a frequentar as igrejas evangélicas voltem a participar das missas agora que a paróquia está mais bem estruturada.

Para saber mais
Prioridade para investimento
A Codeplan levou em conta as 15 regiões mais pobres do Distrito Federal na Pesquisa Domiciliar Socioeconômica 2009 por acreditar que as populações desses lugares devem ser prioridade “de toda e qualquer ação que tenha por objetivo a promoção do desenvolvimento no âmbito do DF”. Foram coletados dados sociais e econômicos de Brazlândia, Samambaia, Sobradinho, Riacho Fundo, Estrutural, Planaltina, Paranoá, Santa Maria, São Sebastião, Varjão, Ceilândia, Gama, Riacho Fundo, Recanto das Emas e Itapoã.

O levantamento abordou questões relativas aos domicílios, realizou inventário de bens, e avaliou serviços domiciliares e benefícios sociais. Também foram analisadas características gerais, de migração, educação, trabalho e rendimento. O trabalho, na íntegra, está disponível no site www.codeplan.df.gov.br, em Publicações. A pesquisa concluiu que, apesar de possuir a maior renda per capita e o maior Produto Interno Bruto per capita do país, o DF apresenta grandes diferenças socioeconômicas entre as suas regiões administrativas.



Fé distribuída
Católicos Evangélicos Outras/Não sabe/
Não tem
Brazlândia 62,2 32,2 5,6
Samambaia 61,1 29,6 9,3
Sobradinho II 57,6 32 10,4
Riacho Fundo II 57,7 32,2 10,1
Estrutural 51,5 40,2 8,6
Planaltina 71,4 17,9 10,7
Paranoá 68,5 17,8 13,7
Santa Maria 58,5 31,1 10,4
São Sebastião 61,6 29,1 9,3
Varjão 65,6 20,6 13,8
Ceilândia 64,7 26,9 8,4
Gama 63,4 26,4 10,2
Riacho Fundo 66,3 24,3 9,4
Recanto das Emas 74,8 24,4 0,8
Itapoã 58,1 28,9 13



Palavra de especialista



Evangélicos são mais ágeis



"Os motivos pelos quais os evangélicos superam os católicos são muitos, mas podem ser sintetizados em duas ideias: a estrutura de seitas independentes é infinitamente mais ágil e responsiva às necessidades subjetivas do que a estrutura planetária da Igreja Católica; e o significado de cristianismo portado pela igreja Católica está irremediavelmente associado aos processos de formação da sociedade, ao longo dos quais a Igreja foi sócia do projeto de dominação europeu que gerou o Brasil.

Por seu turno, o cristianismo evangélico é mais puramente religioso, e a mensagem cristã realmente logra reformar as almas, por não trazer em si uma linguagem política subalternizante escondida. O catolicismo é por demais "espelho" da sociedade, e quem quer mudar de vida não precisa de espelhos, mas, ao contrário, quer ver o que ainda não viu e não sabe. Por tudo isso, creio que a Igreja (Católica), por mais que faça, continuará perdendo adeptos para os evangélicos ainda por um bom tempo."

Eurico Cursino, professor de sociologia da religião do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB).

Esta matéria foi publicada neste domingo 15-11-2009 no Correio Braziliense - http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia182/2009/11/15/cidades,i=154797/SEGUNDO+LEVANTAMENTO+40+DOS+MORADORES+DA+ESTRUTURAL+FREQUENTAM+AS+IGREJAS+PROTESTANTES.shtml

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