Carlos Madeiro
Especial para o UOL Notícias
Em Maceió
Desde o último sábado (14), os médicos da Unidade de Emergência do Agreste, em Arapiraca (AL), vivem um dilema para salvar a vida de uma jovem de 18 anos que foi atropelada em Piaçabuçu, litoral sul do Estado. Adepta da religião Testemunhas de Jeová, a adolescente apresenta quadro de traumatismo craniano com perfuração e uma acentuada anemia.
Para os médicos da unidade, a conduta ideal seria a transfusão de sangue para estabilizar a pressão sanguínea. O problema é que os pais da jovem pediam para vetar o procedimento, alegando convicções religiosas.
19/11/2009 - 15h33
Como o caso ganhou repercussão no Estado, a Secretaria de Estado de Saúde, mantedora da unidade, resolveu tomar uma decisão polêmica: determinou que os médicos adotassem os procedimentos necessários, independente do consentimento familiar.
Antes da decisão, a família chegou a encaminhar um medicamento que ajudaria o corpo da jovem a produzir sangue, substituindo a transfusão. Mas segundo os médicos, o remédio não teve o efeito desejado e o estado de saúde da paciente se agravou.
Em nota publicada na noite desta quarta-feira (18), a secretaria informa que, "em função do quadro clínico desta paciente adotará os procedimentos médicos necessários para assegurar sua evolução, mesmo que esta tenha que ser submetida a uma eventual transfusão sanguínea, alheia ou não à vontade da família".
Segundo o último boletim médico, a jovem segue internada em estado grave, mas estável. Em contato com o UOL Notícias nesta quinta-feira (19), o diretor administrativo da Unidade de Emergência, Paulo Roberto, não quis revelar se houve transfusão de sangue na paciente na noite de ontem ou na manhã de hoje, mas assegurou que a conduta médica indicada pelos profissionais está sendo cumprida à risca.
"Existe resolução do CFM [Conselho Federal de Medicina] liberando os médicos para transfusão em casos de risco iminente de morte. A paciente é maior de idade e só ela poderia decidir. Mas como ela está em coma, mesmo que exista um documento assinado por ela [como afirma a família], que até agora não nos foi apresentado, iríamos adotar as condutas médicas aconselhadas. Quando ela acordar, terá conhecimento dos procedimentos que foram realizados. Até lá, tudo será sigiloso", informou, citando que a Constituição "garante direito à vida independente da cor, raça, credo ou religião".
Família descarta ir à Justiça
A família da jovem não quis conversar com a imprensa, mas o ancião das testemunhas de Jeová em Arapiraca, Jailton Vieira, falou em nome dos parentes e explicou que a mãe da jovem não pensa em ingressar na Justiça para evitar ou mesmo processar os médicos e o hospital que realizaram a transfusão. "Nosso objetivo não é de ir ao confronto com juiz. Não levaremos o caso à Justiça em hipótese alguma. Se um juiz quiser obrigar, e o médico quiser fazer, é um problema deles. Mas nós temos direito de negar. Como ela está inconsciente, a mãe tem a tutela e informou que não permitiria a transfusão", explicou.
Vieira disse que existem tratamentos alternativos ao uso de sangue e que a jovem estaria respondendo bem ao remédio que lhe foi dado no hospital. "Nós defendemos a vida, mas dentro daquilo que é empregado por Deus. Nós não queremos morrer sem direito a um atendimento, tanto que existe uma comissão de integração com os hospitais, com mais de 60 médicos, que defendem tratamentos alternativos sem uso de sangue. Essa comissão enviou ao hospital a eritropoetina, substância que ajuda a medula a produzir hemácias. Ela está reagindo", defendeu.
Segundo Vieira, qualquer seguidor testemunha de Jeová deve carregar consigo uma declaração pedindo que não haver transfusão. "Nós [adeptos] assinamos essa declaração e portamos esse documento em nossas carteiras, que pede para que não se aplique sangue. Como foi um caso urgente, não sabemos se ela portava esse documento, mas a mãe já se manifestou", declarou o ancião, que acredita que a jovem é vítima de preconceito. "Se uma pessoa pedisse para não receber sangue, mas não fosse testemunha de Jeová, não teria essa repercussão".
Vieira afirmou ainda que a religião não aceita a transfusão por "preferir a palavra de Deus à palavra dos homens". "A Bíblia fala explicitamente da proibição do uso do sangue. Há trechos que falam explicitamente que os crentes não devem fazer uso do sangue, assim como devem evitar a idolatria e o sexo antes do casamento", finalizou.
Especialista critica tratamento alternativo
O médico hematologista e presidente do Sindicato dos Médicos de Alagoas, Wellington Galvão, afirmou que a medicação levada pela família não substitui a transfusão. "De jeito nenhum. Esse remédio estimula a medula a produzir mais sangue, mas isso demora. E em uma paciente que está politraumatizada, o organismo não vai dar resposta", explicou.
Segundo ele, o médico de plantão na Unidade de Emergência no domingo chegou a ligar para ele e questionar o dilema. "Disse a ele: faça. Mas ele ficou receoso da pressão familiar e não fez. Mas na minha experiência de 24 anos como médico, já fiz várias vezes em pacientes graves, independente da família aceitar. Respeitamos a convicção religiosa, mas para nós, médicos, o que vale é salvar as vidas", afirmou.
Falando como representante da categoria, Galvão assegurou que o departamento jurídico do sindicato já foi acionado para defender o profissional que realizar o procedimento à revelia familiar. "Acredito que nenhum juiz do mundo condena médicos por isso", disse.
Publicado na íntegra:http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/11/19/ult5772u6253.jhtm
Nenhum comentário:
Postar um comentário